quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

SEriação escolar Brasileira

A seriação escolar brasileira: aspectos legislativos





Gilvane Gonçalves Corrêa[*]

gilvane@ras.ufu.br





O objetivo desta pesquisa foi analisar e explicitar as principais orientações político-pedagógicas ocorridas entre 1549 e 1996 nas reformas educacionais brasileiras que contribuíram para a organização e manutenção da estrutura escolar seriada. Enfocaram-se as questões históricas e políticas acerca da seriação escolar, que, no meu entendimento estão intimamente ligadas aos aspectos organizacionais e pedagógicos advindos das reformas educacionais brasileiras. O estudo foi realizado através de uma pesquisa bibliográfica utilizando-se principalmente livros, artigos, teses e documentos.

Toda discussão que envolve resgate histórico, educação brasileira e seriação exige do pesquisador uma leitura contextualizada. Sem tornar árdua uma retomada dos acontecimentos e nem perder a conexão com a história mundial, é preciso ressaltar as instâncias que delinearam a estrutura escolar brasileira e as bases de implantação do modo de ensino seriado.

Em estudo[1] às relações de ensino e instituições escolares, bem como outras formas de transmissão de conhecimento anteriores ao descobrimento do Brasil, é possível depreender que o critério que possibilitava a existência de uma ordenação obedecia a uma relação indissociável entre estrutura social e organização escolar. É notório também que a evolução dos critérios se deu sempre em sintonia com as relações estabelecidas entre os homens em cada época.

Apresento a seguir, um quadro contendo a evolução cronológica do critério de ordenação social e o tipo de relação entre os homens.

Quadro I: Demonstrativo da evolução cronológica dos critérios de ordenação.

Critério de ordenação
Período em que se evidenciou
Classe social presente na escola
Relações trabalhistas

Social
Idade Antiga e Média
Nobreza e Clero
amo e escravo

Social e etário
Idade Média e Moderna
Nobreza, Clero e Burguesia
senhor e servo

Social, etário e cognitivo
Idade Moderna e Contemporânea
Aristocracia, Clero, Burguesia e Proletariado
patrão e operário


Como demonstra o quadro acima, no primeiro período a instituição escolar era distintiva da nobreza e do clero e a ordenação presente na escola reforçava a desigualdade social entre os homens. O discurso da escola era único e direcionado.

Fruto de modificações históricas ocorridas no final da Idade Média, novos estratos sociais conquistam o ambiente escolar. Os homens, desiguais, exigem esse ambiente e lutam por ele. Em relação a isso, a classe dirigente buscou, através de um discurso equalizador, manter a unicidade de poder, tanto social quanto econômico.

O segundo período, renascentista, consolidou seu critério de ordenação sobre as riquezas dos novos mundos. Nesse período, a escola já era freqüentada por diferentes classes sociais, o que confirmou a forma de hierarquização social, incluindo por vezes o critério da faixa etária como forma de justificar e manter a ordenação da instituição escolar. Esse discurso, diante da ampliação das bases de ação da escola, não conseguiu compor sua função equalizadora. Foi necessário se estruturar sob ‘novas’ bases e estas foram fornecidas pelos critérios já existentes e consolidados na organização hierárquica da estrutura escolar, agora com a função de restringir, pelo critério de ordenação, o acesso da classe dominada aos bancos escolares. A escola entrou em contradição interna, isto é, fazia um discurso em uma direção e na prática seguia em outra. Assim, ao longo dos anos, foram restringidos o acesso e a permanência nas instituições escolares das classes dominadas.

No terceiro período, Idade Moderna e Contemporânea, diversas modificações sócio-político-econômicas ocorreram no cenário mundial. Nesse meio, a revolução industrial é destaque, pois gerou a necessidade de mão-de-obra especializada e de novos consumidores, ocasionando mudanças na organização escolar, porém com manutenção da hierarquização.

A partir do final do século XIX até os dias atuais, um outro critério de hierarquização é acrescido aos já existentes, o critério cognitivo, que se sustenta sobre bases psicologizantes e biológicas da educação.

É importante ressaltar que o critério utilizado para promover a ordenação em todas as instituições de ensino que analisei, sofreu alterações na medida de cada tempo. Ou seja, desde os primeiros registros, as relações de ensino já se apresentavam de forma ordenada, entretanto existiram diferentes formas e critérios para promover a ordenação. Esses critérios sofreram alterações ao longo da história da humanidade, mas, apesar disto, não contribuíram para mudanças profundas na concepção e no modo de entender o ensino seriado.

Pode-se também constatar que, a partir do momento em que a instituição escolar passou a atender a mais de uma classe social, o critério de hierarquização assumiu características nitidamente compatíveis com as necessidades ditadas pelos valores sociais dominantes.

A hierarquia social, que concretamente sempre foi edificada na diferença de classe existente no modo de produção vigente, e que tem na escola e em seu discurso igualitário um dos mecanismos de sua perpetuação, teve que, de uma forma ou de outra, reproduzir estes valores no interior das escolas. Uma das formas pelas quais fez isso é seguramente a hierarquia escolar, via seriação. Entretanto, a concreticidade das relações estabelecidas no interior da escola não permite, pela contradição, que estes mecanismos atuem mecânica e anonimamente. Pelo contrário, estão em constante conflito.

A escola, dita e planejada para homens ‘iguais’, utiliza critérios seletivos na medida em que a diversificação social concreta começa a minar a unicidade abstrata do universo escolar.

Após esse estudo constatei, nas relações e instituições de ensino das Idades Antiga, Média, Moderna e Contemporânea, cada uma há seu tempo e modo, a contradição entre o que a escola defende em nível de discurso - igualdade universal entre os homens - e o que faz na prática - prática da diferença - é que passo a defender o ideário da escola para desiguais, tendo em vista que os alunos concretamente são diferentes.

A proposição de uma igualdade de oportunidades, em todos esses períodos, em uma desigualdade de condições sociais não me parece a forma mais justa para a sociedade. Entretanto, a real desigualdade entre as classes era mascarada com a implementação de medidas paliativas, reformas que objetivavam desviar a verdadeira necessidade da promoção de igualdade de condições e não exclusivamente de oportunidades.

Foi com essa estrutura baseada no discurso coletivo e na prática individual que sobreviveu e foi difundida a educação nos novos mundos, dentre eles, o Brasil.

1. As tentativas educacionais: dos Jesuítas aos exames preparatórios (1549 a 1889)
Por volta de 1550, os jesuítas direcionavam as ações de ensino em todo o mundo, no sentido de barrar o caminho da Reforma Luterana e ampliar sua área de atuação, retomando os espaços perdidos e alcançando novas fronteiras, como vem a ser a situação brasileira.

Foi a partir da análise desse momento peculiar que caracterizou o avanço das missões jesuíticas tanto no novo continente (Brasil) quanto no velho continente (Europa) que começo o estudo do modo de ensino seriado brasileiro. Por esse motivo é que situo o discurso dos jesuítas dentro do quadro de idéias, movimentos e propósitos que chegaram ao Brasil.

Da descoberta ao início da colonização, a Colônia foi alvo de constantes afrontas, principalmente de franceses e holandeses, que incitavam os indígenas a atacarem os colonizadores portugueses. Tornou-se de tal forma crítica a situação do Brasil nessa época que à metrópole portuguesa só cabia uma das alternativas: ou colonizar a terra ou perdê-la.

A metrópole optou pela colonização e, em 29 de março de 1549, chega ao Brasil o primeiro governador geral da Colônia, Tomé de Souza, com as seguintes diretrizes para a colonização:

1º. Defesa do litoral;

2º. Policiamento interno da Colônia;

3º. Fundação de núcleos estáveis e fortificados de colonizadores europeus;

4º. Conversão dos indígenas à fé católica pela catequese e instrução.

Segundo Matos,

Da consecução deste quarto objetivo dependeria em ultima análise o êxito dessa arrojada empresa colonizadora; pois que somente pela aculturação sistemática e intensiva do elemento indígena aos valores espirituais e morais da civilização ocidental e cristã é que a colonização portuguesa poderia lançar raízes definitivas no solo fecundo, mas agreste e insidioso do novo mundo.[2]

Compunha a mesma expedição o grupo jesuítico do Padre Manoel da Nóbrega e seus seis missionários, que tinham como objetivo executar o quarto objetivo de colonização.

Apesar de a educação não estar presente nas premissas básicas dos jesuítas, foi nesta que se firmou e consolidou a Ordem, pelo quase monopólio do ensino em muitas regiões católicas e mesmo em Estados protestantes nos séculos XVI e XVII. A atividade intelectual, bem como a habilidade em desempenhar incumbências, minaram a Ordem de confiança perante a Cúria e os Estados.

As regras pedagógicas da ordem são publicadas no capítulo IV do Instructio Magistris das Constituições de 1555, por Inácio de Loyola.

O conteúdo cultural de que eram portadores os jesuítas era uma típica manifestação da contra-reforma. A formação intelectual era orientada para a uniformidade, a obediência às regras preestabelecidas, o que a constituía, portanto, na mais importante força católica contra as idéias de Lutero e Calvino, que se harmonizavam com os interesses da burguesia comercial mercantilista dessa época.

Segundo Romanelli, o pensamento jesuítico

[…] se caracterizou sobretudo por uma enérgica reação ao pensamento crítico, que começava a despontar na Europa, por um apego às formas dogmáticas de pensamento, pela revalorização da Escolástica como método e como filosofia, pela reafirmação da autoridade, quer da Igreja, quer dos antigos, enfim, pela prática de exercícios intelectuais com a finalidade de robustecer a memória e capacitar o raciocínio para fazer comentários de textos.[3]

Em relação ao método de ensino, os jesuítas inauguraram uma forma educacional de seleção e manipulação de textos e trechos gregos e romanos, para fins religiosos, de forma a direcionar o crescimento intelectual do homem, ‘protegê-lo’ das más influências da época, cultivar as coisas do espírito e dar notoriedade à inteligência. Para tanto, despojaram seus principais autores de suas humanidades, tornando-os um verdadeiro ideal a seguir, pela sua abnegação e respeito aos princípios e à moral.

A formação educacional proposta para o homem daquela época pelos jesuítas deveria ocorrer em duas frentes, estabelecidas na Ratio, ordenadas e subseqüentes.

O ideal da Ratio Studiorum era a formação do homem universal, humanista e cristão. O currículo tinha uma forte tendência para o ensino humanista de cultura geral e enciclopédico. Tinha como pressuposto teórico a Summa Theológica de São Tomás de Aquino.

Seus pressupostos curriculares privilegiavam aulas expositivas, nas quais ao mestre cabia determinar o método de estudo, a matéria e o horário. O ensino e a avaliação dos alunos pelo mestre eram em sua maioria orais.

Foi esse modelo educativo que a corte portuguesa adotou para promover a colonização brasileira. A educação jesuítica vinha ao encontro das necessidades da Corte em relação à Colônia. Essa estrutura da ação jesuítica, fundada para atender ao expansionismo mundial, assumia a função de milícia papalina, quando solicitada em um sentido religioso, e de milícia estatal, quando solicitada em termos de domínios físicos.

Na evolução histórica do Brasil Colônia, o objetivo jesuítico saiu da catequese para assumir a educação da elite Colonial. Essa mudança na clientela da ação educativa jesuítica não alterou profundamente a base das ações, visto que o eixo principal de trabalho da Ordem era a educação da elite, como pode ser ilustrado na Ratio, e não a catequese.

No universo Colonial a pedagogia jesuítica se manteve como a única forma educativa durante 210 anos. Devido a esse extenso período, o complexo educativo sobreviveu mesmo após a expulsão dos jesuítas, por determinação do Marquês de Pombal, em 1759, ainda no Período Colonial.

Segundo Romanelli (1993),

Foi ela, a educação dada pelos jesuítas, transformada em educação de classe, com as características que tão bem distinguiam a aristocracia rural brasileira, que atravessou todo o Período Colonial e Imperial e atingiu o Período republicano, sem ter sofrido, em suas bases, qualquer modificação estrutural, mesmo quando a demanda social de educação começou a aumentar, atingindo as camadas mais baixas da população e obrigando a sociedade a ampliar sua oferta escolar. Era natural que assim fosse, porque esse tipo de educação veio a transformar-se no símbolo da própria classe, distintivo desta, fim, portanto, almejado por todo aquele que procurava adquirir status.[4]

Com a expulsão dos jesuítas e o fechamento de seus colégios em 1759, restaram no Brasil poucos centros de instrução (conventos franciscanos, carmelitanos e capuchinhos). A reforma de ensino de Pombal só foi implantada em 1772, o que deixou a Colônia abandonada educacionalmente por treze anos. O Estado português se apropriou da imensa riqueza acumulada pelos jesuítas (fazendas, imóveis urbanos, armazéns de especiarias, etc.) e grande parte desses bens foram transferidos para os amigos da coroa. Foi neste período que o Estado assumiu a educação pela primeira vez.

1.1. A seriação no período pombalino

Durante 27 anos, Pombal foi o principal ministro e homem forte do governo. Em sua obra reformista combinou elementos contraditórios, como mercantilismo e iluminismo, buscando fortalecer o Estado.

As reformas pombalinas constituíram uma violenta reação antijesuítica. Após viver séculos sob a ideologia jesuítica, Portugal percebeu seu distanciamento tanto econômico como ideológico das novas idéias que se disseminavam pela Europa. Na busca de recompor o atraso, Portugal, na pessoa de Pombal, faz dos jesuítas os responsáveis por todos os seus males passados e presentes.

Um novo modo educacional, agora público, foi implementado com a Reforma Pombalina, visando diversificar o conteúdo, incluir a versão científica, e torná-lo mais prático através das aulas régias. A Reforma Pombalina primou pela tentativa de incluir na educação brasileira o caráter crítico, racional e artístico, típicos do Iluminismo, de que Pombal era declarado defensor. Teve por objetivo criar uma escola útil aos fins do Estado e, nesse sentido, ao invés de preconizar uma política de difusão interna e externa do trabalho escolar, Pombal organizou a escola para, antes de servir aos interesses da fé, servir aos imperativos da Coroa.

Não havia currículo, no sentido de um conjunto de estudos ordenados e hierarquizados, nem uma duração prefixada se condicionava ao desenvolvimento de qualquer matéria. Cada aula régia constituía uma unidade de ensino, com um único professor, para uma determinada disciplina. Era autônoma e isolada, pois não se articulava com outras e nem pertencia a uma escola. O aluno se matriculava em tantas aulas quantas fossem as disciplinas que desejasse.

Os conteúdos oferecidos abrangiam os seguintes campos de estudos: as primeiras letras, gramática, latim, filosofia, grego e, posteriormente, francês, geometria, aritmética, botânica, no Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Maranhão, São Paulo, Vila Rica e Mariana.

Mais tarde, com o desenvolvimento econômico, foram introduzidas matérias como Retórica, Hebraico, Matemática, Filosofia e Teologia.

Para desenvolver esse processo contava-se com professores, padres e leigos, de formação jesuítica. O esquema escolar proposto por Nóbrega (1549) fora disseminado em aulas avulsas ministradas em locais variados, posteriormente em Liceus. Ao aluno competia cumprir um certo número de temas, sem obrigação de freqüência ou ordenação seqüencial.

Para controlar esse sistema, foi instalada no Reino uma Diretoria de Estudos, cujo superintendente era o Vice-Rei. Na Colônia, de dimensões continentais, só se efetivava o conjunto das aulas régias.

A estruturação proposta por Pombal não conseguiu desarticular a ação pedagógica implantada pelos jesuítas em muitos anos de ocupação desse espaço educacional e muito menos a adversidade oferecida pelo meio social em questão. O desempenho dos profissionais da educação brasileira se viu atrelado às raízes jesuíticas, à autoridade e disciplina, às custas de vara de marmelo e da palmatória de sucupira, com tendências a abafar toda forma criadora individual que a tendência enciclopedista, representada na Reforma Pombalina, tentava implementar na educação brasileira.

Em conseqüência da condição adversa impostas pelo meio social à continuação da Reforma Pombalina, bem como à execução de suas propostas mais inovadoras, como o ensino das línguas modernas, o estudo das ciências experimentais e a formação profissional tiveram que aguardar. Entretanto, o mais importante passo dado pela reforma pombalina no sentido de consolidar o ensino seriado foi, contraditoriamente, a sua não obrigatoriedade.

A tendência dispersiva que a reforma tomou teve, por assim dizer, elementos mais firmes, determinações mais contundentes sobre a forma e o modo de promover a educação na Colônia e permitiu a seus executores visualizar da distinção entre o ensino jesuítico, como também a formação jesuítica, e ensino pombalino ou enciclopedista. Ao não definir uma estrutura, uma outra começa a emergir. Essa última pode ser exemplificada na constituição futura dos Liceus, que lançaram suas bases nas emergentes tentativas de restituir ao ensino brasileiro uma face que não fosse única, mas múltipla e difusa no regionalismo dessa vasta extensão territorial. A integração efetiva dos vários ‘guetos’ educativos da Colônia começa através da busca de uma legislação menos vaga e da determinação de uma característica unificadora.

Ao final do século XVIII e início do XIX, com o desenvolvimento de outras atividades na Colônia, como a mineração, comércio, artesanato e burocracia, emerge uma classe intermediária, a pequena burguesia Colonial. A burguesia, nesse quadro social, assumiu o discurso das mazelas educativas da Colônia e teve na educação os meios para se valorizar enquanto classe.

Segundo Azevedo, a burguesia utilizou outras formas de poder para se constituir e se valorizar enquanto classe. A educação seria uma dessas formas de poder.

[…] não era somente pela propriedade de terra ou número de escravos que se media a importância ou se avaliava a situação social dos colonos. Os graus de Bacharel e os mestres em Artes dados pêlos Colégios passaram a exercer o papel de escada ou de ascensor na hierarquia social da Colônia, onde se constituiu uma pequena aristocracia de letrados, futuros teólogos, padres-mestres, juizes e magistrados.[5]

Essa classe buscava a ascensão na educação, porém foi nas relações da burguesia com a aristocracia que se configurou a característica do ensino brasileiro. O atrelamento da burguesia à aristocracia dominante tinha estritamente o objetivo de buscar o poder. Era do ensino que a burguesia precisava para se tornar dominante e, o ensino que ela procurava era justamente o que era proporcionado á própria classe dominante. Era esse modelo de ensino que iria classificá-la perante a aristocracia.

Nessa ocasião, tínhamos duas classes distintas freqüentando a escola. O quadro social brasileiro apresenta classes sociais distintas em número, mas únicas em intenção educacional. Porém, a compatibilidade-dualidade da aristocracia e burguesia não tardaria a ruir. A burguesia Colonial, por mais que procurasse se assemelhar à aristocracia rural, não o conseguia, devido a suas bases e ideais liberais europeus. Por sua criação e proposição, ela era portadora de outros compromissos que a aristocracia rural tentava impedir de se fixarem.

O cenário das proposições educacionais está caracterizado. Diversas proposições educacionais foram feitas. A exemplo, da proclamação da república até o Ato adicional de 1834, a educação brasileira vivenciou o ensino mútuo no primário, transformou os colégios em preparatórios do ensino superior e pressionou a reformulação no currículo das escolas de nível secundário como: incorporar as aulas régias aos liceus (para homens) e às escolas normais (para mulheres); realizar matrículas por disciplina desobrigar freqüência. Estas condições agravaram a condição da escola seriada na medida em que não justificavam a sua existência.

Por essa análise, podemos perceber quão seletivas foram as formas de ensino. Mas, por outro lado, não podemos deixar de conferir tributos a essas tentativas, que tinham como objetivo claro o ensino superior, mas que também permitiam uma certa maleabilidade educacional, assim como o respeito às capacidades de cada indivíduo ao buscar o conhecimento. Essa estrutura de exames era também conivente com a política educativa aristocrática que não atendia às necessidades da população.

1.2. O ato adicional de 1834: a regulamentação da falta de regulamentação

A partir do Ato Adicional de 1834, passou a vigorar um regime de descentralização, acontecimento que determinou efeitos duradouros e amplos na política educacional brasileira. Os exames parcelados, conseqüentes da ‘descentralização’ promovida através do ato adicional de 1834, eximiam a união da participação na formação de seus alunos e confinava sua atuação ao ‘policiamento’ destes.

Não se tem registro de questionamentos sobre a validade ou qualidade do ensino, mas dos exames. Foi assim que a legislação do país resolveu a ausência de uma estrutura, de um sistema médio, através da regulamentação da falta de regulamentação. Substituiu a obrigatoriedade de um ‘sistema escolar’ existente pela possibilidade de ingressar, no então ensino secundário e superior, através de exames como os preparatórios, os exames de suficiência. Essa regulamentação nada mais era que a confirmação do descaso pelo ensino primário e secundário.

1.3. A reforma Leôncio de Carvalho (1878) e o Parecer de Rui Barbosa (1883)

A partir de 1850, diversas tentativas de reforma de ensino foram apresentadas, mas a que teve maior reflexo na sociedade brasileira foi a Reforma de Leôncio de Carvalho, em 1878. Essa reforma, a exemplo do que ocorria nos Estados Unidos, estabeleceu a liberdade de crença na educação dos alunos, estendeu as prerrogativas do Colégio Pedro II para outras instituições de ensino, tornou livre a freqüência aos estabelecimentos de ensino, abriu a matrícula nestes estabelecimentos a qualquer cidadão, facilitou os exames das matérias (exames preparatórios para o ensino superior) e restabeleceu as aulas avulsas. Mas o que de mais proveitoso houve nessa reforma foi o parecer de Rui Barbosa sobre o ensino secundário do Brasil.

Nesse parecer, datado de 1883, Rui Barbosa discorria sobre os problemas da educação, das filosofias nela impregnadas e as reformulações necessárias. Ressaltava a qualidade das bases filosóficas do positivismo, como também dos métodos utilizados em educação que adotam essa ideologia, os programas e os livros a serem seguidos.

Sua crítica era feita em comparação com colégios europeus (franceses e ingleses) e também americanos, que adotavam a ideologia positivista de Augusto Comte, influenciando os principais centros educacionais do mundo. Suas propostas foram base para a estruturação e consolidação do ensino seriado no Brasil, através de uma exposição clara, mas pouco exeqüível na época, da Reforma Benjamin Constant (1890 - 1892).

O parecer de Rui Barbosa foi a última produção educativa do Período Imperial brasileiro. A luta pela instauração da República, que remonta ao Período Colonial, estando presente em episódios como a Inconfidência Mineira e a Revolução Pernambucana, culmina na proclamação da República em 15 de novembro de 1889.

Uma nova base era necessária para a expansão do ensino brasileiro. O ideal da sociedade escravagista não sustentava as transformações sociais, políticas e econômicas que emergiam no país. A abolição da escravatura, a organização do trabalho livre, a chegada dos migrantes, o crescimento da indústria, a queda do Império e a instalação da república, com certeza, foram elementos favoráveis a uma renovação pedagógica, curricular e cultural.

O Período republicano foi caracterizado por muitos historiadores como período de grandes mudanças sociais, políticas e econômicas. Um reflexo desse momento na educação está nas várias reformas - sem êxito - para solucionar alguns problemas educacionais, como, por exemplo, a integração educativa da nação, o ensino primário, a formação dos professores e o objetivo do ensino secundário.

Neste período merecem destaque especial a Reforma Benjamin Constant e suas determinações quanto ao modo de ensino seriado que, apresentaremos a seguir.

2. A primeira república e o ensino seriado.
2.1. A Reforma Benjamin Constant (1890)

Proclamada a República, coube a Benjamin Constant o recém-criado Ministério de Instrução, Correios e Telégrafos .

A burguesia mercantilista tinha presença constante nos meios sociais, sustentada por uma classe média em franco crescimento. A vida urbana se desenvolvia e tinha sua importância já impressa no modo de vida dos brasileiros.

O pensamento cultural brasileiro, ainda preso à tradição de Coimbra, ia cedendo lugar ao racionalismo de Descartes, ao positivismo de Comte, ao transformismo de Darwin, ao evolucionismo de Spencer. O meio cultural fervilhava de nacionalistas: Castro Alves, Aluísio de Azevedo, Raul Pompéia. A ruína do Império abria as portas aos questionamentos da vida brasileira.

Entretanto, o quadro educacional não diferia do Período Imperial. Os recentes estados brasileiros eram desigual educacionalmente, conseqüência da desregulamentação educacional iniciada na Constituição de 1823. As escolas públicas existentes nas cidades eram freqüentadas pelos filhos das famílias de classe média. Os ricos contratavam preceptores, geralmente estrangeiros, que ministravam aos filhos o ensino em casa ou em colégios particulares. As elites não só enviavam seus filhos aos colégios particulares, como também utilizavam o Estado para criar uma rede de ensino público que os atendesse. Assim, muitas das reformas da legislação do ensino provindas do governo federal priorizavam o ensino secundário e superior.

Com a Reforma proposta por Benjamim Constant em 8 de novembro de 1890, pela primeira vez, após a expulsão dos jesuítas, era executada no Brasil uma diretriz educacional que abrangia todos os níveis de ensino.

O ensino secundário foi o mais atingido pela reforma. Este se encontrava resumido aos preparatórios que habilitavam o aluno ao ensino superior. Com cunho secundarista, a reforma caiu principalmente sobre o Colégio Pedro II. Nesse nível de ensino ela rompeu drasticamente com a tradição do currículo clássico jesuítico para introduzir um currículo estritamente positivista. Desde então se formaram duas correntes sobre currículo. Uma tradicional, defendendo na estrutura curricular a predominância das humanidades clássicas, e a outra pleiteando, no currículo, mais espaço para as ciências, em nome do progresso, da técnica, do comércio, da indústria e da agricultura.

A reforma teve o grande mérito de romper com o ensino humanístico, porém não cuidou de propor uma educação para a realidade vigente. Mas o fundamental dessa reforma foi o ato de assumir um sistema de idéias, expresso através do positivismo comteano, com um conteúdo filosófico mais ou menos definido.

Nesse momento da história nacional, as idéias de Augusto Comte, ao lado da mentalidade humanística, retórica e jurídica da grande maioria da elite dirigente, educada no antigo regime [6], tiveram grande influência na determinação das diretrizes educacionais do país.

O objetivo do modelo seriado era de restringir o processo, que caminhava aleatoriamente sem as interferências do estado, à instituição escolar, dando-lhe forma, bases e meios para ação e justificativa social.

Com a seriação obrigatória, a Reforma de Benjamin Constant (1890) extinguiu os preparatórios e fez do Colégio Pedro II, agora chamado Ginásio Nacional, o padrão do ensino secundário a ser seguido por todo o país.

Essa reforma teve seus méritos quando tentou acabar com os preparatórios, estabelecer o processo educativo sob o modelo seriado, como também ampliar o currículo das escolas brasileiras, abrindo-o ao enciclopedismo. Por esta vertente, a Reforma Benjamin Constant buscava a substituição do ensino acadêmico por um currículo mais enciclopédico, com a inclusão de disciplinas científicas e a consagração do ensino seriado. Com o tempo a reforma foi assimilada pelos ensinos primário e secundário.

Os méritos dessa reforma, entretanto, não residem somente na introdução do modelo seriado de ensino ou mesmo na ampliação da base positivista na educação brasileira. Os méritos que quero ressaltar não se referem à qualidade do modelo utilizado, mas ao simples fato de ter definido de um modelo, o que, por si só, já trouxe enorme contribuição à educação nacional, ainda esfacelada nas províncias.

A Reforma Benjamin Constant rompeu drasticamente com a tradição do currículo clássico jesuítico para introduzir um currículo baseado no princípio científico de Comte. Buscava a substituição do ensino acadêmico por um currículo mais enciclopédico, com a inclusão de disciplinas científicas e a consagração do ensino seriado.

Os méritos dessa reforma não residem somente na introdução do modelo seriado de ensino ou mesmo na ampliação da base positivista na educação brasileira mas também no fato de ter definido um modelo, o que, por si só, já trouxe enorme contribuição à educação nacional, ainda esfacelada nas províncias devido à aprovação da federação em 1888. A Federação, ao mesmo tempo em que integrava a nação, distanciava as regiões através do caráter político e econômico.

A princípio, a introdução do modo republicano federativo não alterou a educação do povo brasileiro.

Segundo Romanelli,

[…] a “renovação intelectual de nossas elites culturais e políticas” foi um fato que não se deu, visto que o comando político, econômico e cultural se conservou nas mãos da classe que tinha recebido aquela educação literária e humanista, originária da Colônia e que tinha atravessado todos os Impérios “sem modificações essenciais”.[7]

2.2. A Reforma de Epitácio Pessoa (1901)

Essa reforma deu exeqüibilidade ao idealismo de Constant, corrigindo e adaptando sua reforma às realidades regionais. Sob a perspectiva dessa reforma, a educação nacional deveria priorizar a formação secundária, visando consolidar a estrutura seriada do modelo educacional, tendo em vista que, até aquela data, o ensino era desvinculado de freqüência obrigatória, prevalecendo os exames preparatórios.

Cabe aqui a ressalva que, visando consolidar a estrutura seriada do modelo educacional, a reforma extinguiu os exames que possibilitavam, aos alunos, o acesso ao ensino sem contudo percorrer ou freqüentar uma instituição escolar e inaugurou a matrícula por disciplina.

A existência dos exames preparatórios oportunizava aos alunos duas formas de acesso ao conhecimento: ou pela via seriada, ou através de estudos individualizados e orientados fora da escola. Entretanto, a coexistência entre exames preparatórios e modo de ensino seriado desobrigava o aluno da freqüência escolar. Essa situação, evidenciada na junção modo seriado e os exames preparatórios, explicitava a contraditória possibilidade da existência de uma educação e acesso ao conhecimento ‘com’ e ‘sem’ escola. Esse fato colocava em dúvida a necessidade de diretrizes educativas, como a reforma em apreço, uma vez que trazia em seu interior um discurso que a negava e a afirmava, simultaneamente.

2.3. A Reforma Rivadávia (1911)

A Reforma de Rivadávia criou, 1911, os parcelados[†] e o vestibular do 3o grau, não exigindo comprovação de escolaridade anterior para a inscrição nestes exames. Uma das razões alegadas para a não exigência dessa comprovação era a desobrigação criada pelos preparatórios.

Até o momento vemos que as vias legislativas que admitem a existência de instrução fora das vias escolares, o fazem pelo fato de não disporem de meios para fornecer essa instrução a toda população. Entretanto, cabe ressaltar, que não existia uma determinação em que eram traçados os conhecimentos mínimos exigidos ao candidato para o reconhecimento de sua instrução.

Segundo Lima,

Constata-se o descompromisso total do Poder Público com relação à educação, a supressão de qualquer tipo de fiscalização, a plena autonomia estadual sem controle federal, falando-se, como em relação ao sistema empresarial, em “livre competição”, sinal de que “sistema” era, sobretudo, privado: é a omissão completa do Estado com relação à educação.[8]

A reforma desoficializou o ensino, descomprometeu o Estado.

2.4. A Reforma Maximiliano (1915)

A determinação de um conhecimento mínimo na escola só irá ocorrer com a Reforma Maximiliano (1915) que tornou obrigatória a seriação dos estudos na medida em que impedia a realização de outras provas que não as constantes no currículo da série que o aluno estivesse cursando.

A Reforma Maximiliano buscou dar uma ordem ao ensino brasileiro, ordem estabelecida nos molde do ensino europeu. Retomou vários pontos de políticas educacionais anteriores, incluindo a proposta da seriação escolar da Reforma Benjamin Constant (1890), a estruturação proposta na Reforma Epitácio Pessoa (1901) e, da Reforma Rivadávia (1911), retoma o exame vestibular, tornando-o extremamente rigoroso.

2.5. A Reforma Rocha Vaz (1925)

A Reforma Rocha Vaz, em 1925, tentou romper com a idéia dos preparatórios ou parcelados, deixando, como única opção educativa, o modo de ensino seriado, e forçando a continuidade e a articulação dos estudos obrigatórios.

Durante 6 anos a reforma tentou romper com a idéia dos preparatórios ou parcelados, deixando, como única opção educativa, o modo de ensino seriado, e forçando a continuidade e a articulação dos estudos obrigatórios com duração de 5 anos no secundário. A reforma propôs que o currículo preparasse o aluno para a vida e não para o ensino superior e ainda instituiu bancas examinadoras de composição idônea. Esta reforma não foi totalmente aplicada, pois em 1929 ainda existiam escolas com exames preparatórios, sem currículo definido. Visou à moralização do ensino, não tendo nenhum sentido inovador, foi mais uma reforma com características administrativas, tal como as demais que caracterizaram a época.

Nesse breve espaço de tempo, de 1879 a 1925, em que ocorreram várias reformas na recente nação brasileira, não podemos perder de vista as idéias educacionais que compunham o universo mundial. Dentre elas ressaltamos algumas, como as de Giovanni Gentile, grande teórico da educação fascista, com a educação sustentada em Hegel e no nacionalismo e catolicismo; Lunatscharsky e Krupskaia, na Rússia, com as reformas educacionais pós-revolução de 1917; Leon Bérard, na França; Lord Fischer, na Inglaterra; Dewey e Kilpatrick, nos Estados Unidos.

Nesta época, temos um Brasil eminentemente analfabeto, tanto analfabeto em escolaridade como o próprio termo designa, como analfabeto nos novos meios de produção cobrados da sociedade pela comunidade internacional. Só a partir da década de vinte começa a tomar corpo no Brasil um movimento renovador visando transformar as condições de ensino. Esse movimento, que se chamou Escola Nova, era liderado por educadores renomados nos principais estados da federação, como Francisco Campos, empreendedor das reformas em Minas Gerais.

As reformas ocorridas nesse período compõem o tema que apresentaremos no tópico a seguir.

3. Da Segunda República (1930-1937) à Lei 9394/96
Quando, em 1930, ruiu a Primeira República e com ela muitas instituições tradicionais, o Brasil viveu um dos períodos de maior radicalização política de sua história.

No campo educacional são nítidos os conflitos pedagógicos advindos de todo o processo educacional. As principais linhas pedagógicas em choque eram a Pedagogia Tradicional, a Pedagogia Nova e a Pedagogia Libertária, que foram as bases, ora alternadas, ora conciliadas, da formulação legislativa educacional.

Parafraseando Guiraldelli[9], estas três vertentes pedagógicas, a grosso modo, podem ser vistas associadas a três diferentes setores sociais. Pode-se dizer, sucintamente, que a Pedagogia Tradicional se associava às oligarquias dirigentes e à Igreja, a Pedagogia Nova, à Burguesia e a Pedagogia Libertária, aos movimentos sociais populares, buscando a transformação social.

A Reforma Francisco Campos (1930) tentou tirar do ensino secundário a conotação de ponte para o ensino superior e criou um corpo de inspetores especializados por grupos de matérias e estabelecimentos, o que reforçou a estrutura curricular desses estabelecimentos na medida em que deu suporte técnico e administrativo. Dessa forma, as escolas foram obrigadas a abandonar os cursos preparatórios, aulas avulsas e implantar um currículo, que, em sua maioria, era enciclopedista.

Todavia, declaradamente elitista, a reforma não mencionou o ensino primário e os problemas da educação popular, mas traçou diretrizes e soube dar uma organização ao ensino secundário do ponto de vista geral. Teve como característica o predomínio do ensino científico sobre o clássico. O curso ginasial, de sete anos na Reforma Benjamim Constant (1890), de seis anos na Reforma Epitácio Pessoa (1901) e Reforma Rivadávia (1911), de cinco anos na Reforma Maximiliano (1915), de seis anos na Rocha Vaz (1925), voltou a ser de cinco anos na Reforma Francisco Campos (1931).

Seguia ao Curso Ginasial o curso complementar de dois anos, que era subdividido de acordo com os ramos pelos quais o aluno poderia optar no curso superior. Eram os curso pré-jurídico, pré-médico e pré-politécnico.

O desajuste da Reforma Francisco Campos nos outros campos de ensino, principalmente o primário, e a falta de professores para aplicar o conteúdo enciclopédico deu base para a Reforma Capanema (1942), que redimensionou o ensino secundário em favor do desenvolvimento industrial, reduziu seu tempo para quatro anos e diversificou a formação e função do ginásio.

3.1 A Reforma Capanema (1942)

Basicamente a Reforma Capanema, ou leis orgânicas, se realizou sobre seis decretos-lei que ordenavam o ensino primário, secundário, industrial, comercial, normal e agrícola. Foi uma reforma elitista na medida em que, como os jesuítas, apresentava dois caminhos. Um para as elites, ensino primário þ ginásio þ colégio þ curso superior, e outro para as classes populares, ensino primário þ ginásio þ curso profissionalizante.

Com relação ao modo de ensino seriado, não foi identificada nenhuma recomendação com relação à obrigatoriedade de sua realização dentro das instituições escolares.

3.2. As leis de diretrizes e bases da educação: de 1961 a 1996.

Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei 4024 de 20 de Dezembro de 1961, estabeleceu um currículo básico para todo o território nacional e manteve a estrutura tradicional de ensino das legislações anteriores.

No fundo, podemos observar que a nova LDB não mudou tanto a escola curricularmente. A sua grande vantagem foi o fato de não ter fixado um currículo rígido para todo o território nacional, em cada nível e ramo do ensino. Essa foi uma abertura necessária, porque possibilitou aos Estados anexarem disciplinas optativas ao currículo mínimo do Conselho Federal de Educação (CFE), de acordo com os recursos materiais e humanos de que dispunham. Em contrapartida, também agravou os regionalismo do país.

Outra grande contribuição da Lei 4024 foi a estruturação da educação primária. Até a Lei 4024, a política educacional do país não havia considerado com clareza, ou seja, não havia traçado planos e diretrizes para esse nível de ensino.

Já a Lei 5692/71 além de promover alterações na estrutura organizacional da educação nacional, ela é bastante clara quanto à determinação e ordenação dos períodos, séries, faixas ou etapas a serem vencidas pelos alunos para completar seus estudos, em todos os graus de ensino.

Segundo o texto da Lei, o currículo tem como pressuposto proporcionar ao aluno a formação necessária ao desenvolvimento de sua potencialidade como elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania.

A Lei 5692/71 e seus respectivos Pareceres tiveram por mérito introduzir na legislação escolar brasileira o trabalho científico de alguns autores, se bem que de uma maneira singular. O Parecer 853/71 da referida Lei utiliza a teoria psicogenética de Jean Piaget para delimitar as ‘séries’ do ensino de 1o grau em séries inicial e final. Para essa diferenciação, o Parecer classifica os estágios do desenvolvimento mental em períodos de ‘operações concretas’ e ‘operações formais’.

O Parecer cita Piaget como referência e utiliza suas pesquisas para justificar a idealização das categorias curriculares:

Apenas algumas observações complementares ainda se justificam para melhor compreensão do que aí fica, já bastante claro em face dos esclarecimentos e definições anteriores. O desenvolvimento das matérias, ‘da maior para a menor amplitude’, e o seu escalonamento progressivo em ‘atividades, áreas de estudo e disciplinas’ estão em consonância com a conceituação destas categorias curriculares que, por sua vez, refletem as comprovações da Psicologia Evolutiva.

A velha marcha ‘do concreto para o abstrato’ apresenta-se hoje - na Psicologia Genética de Piaget, por exemplo - sob a forma tríplice de um período ‘sensório motor’, seguido de uma fase de ‘operações concretas’ que leva, na adolescência, às ‘operações formais ... móveis e reversíveis’. Se em nenhum momento cogitamos de uma correspondência simétrica entre esses três períodos e aquela tríplice classificação curricular, também não deixamos de considerar o que deles já se fez evidência no dia-a-dia da vida escolar: a montagem a partir do concreto e do mais para o menos amplo, do genérico para o específico ou, na classificação sempre atual de Claparède, da ‘generalização inconsciente’ para a ‘generalização consciente’.[10]

Ao apresentar os períodos das ‘operações concretas’ e das ‘operações formais’ como critério para a classificação metodológica dos alunos em ‘séries iniciais’ e ‘séries finais’ para efeito da aplicação das categorias curriculares, entendemos que essas categorias deixam de expressar a teoria psicogenética de Piaget para comprometê-la.

A Leis 5692/71 além de promover alterações na estrutura organizacional da educação nacional, ela é bastante clara quanto à determinação e ordenação dos períodos, séries, faixas ou etapas a serem vencidas pelos alunos, para completar seus estudos, em todos os graus de ensino.

Na seqüência cronológica, a próxima Lei educacional do país que merece destaque é a Lei 7044 de 18 de outubro de 1982, que alterou, a Lei 5692/71, somente nos parágrafos relacionados à profissionalização do ensino de 2o grau[‡].

A Lei 7044/82 alterou muito pouco o texto legal da 5692/71. Entretanto, as mudanças ocorridas reafirmam a possibilidade de organização de classes que reúnam alunos de diferentes séries e de equivalentes níveis de adiantamento, para o ensino de línguas estrangeiras e outras disciplinas, áreas de estudo e atividades. Essa possibilidade quebrou um pouco a rigidez da seriação tradicional.

Nesta linha de flexibilização, a atual LDB que trata em seu texto da possibilidade da não seriação pois, seu artigo 23[11], permite a organização escolar por grupos não seriados, ciclos, períodos de estudo na educação básica[12], entretanto somente detalha e define regras para o modo de ensino seriado.

Segundo o artigo 23 da Lei 9394/96,

A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos bimestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.

Já no artigo 24 desta mesma lei, a forma de organização da educação básica fica mais clara.

Art. 25. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:

I - […].

II - a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira do ensino fundamental, pode ser feita:

a) por promoção, para alunos que cursaram, com aproveitamento, a série ou fase anterior, na própria escola;

b) por transferência, para candidatos procedentes de outras escolas;

c) independente da escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que define o grau de desenvolvimento e experiência do candidato, e permite sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino[13];

III - nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por série, o regimento escolar pode admitir forma de progressão parcial, desde que preservada a seqüência do currículo, observadas as normas do respectivo sistema de ensino;

IV - poderão organizar-se classes, ou turmas, com alunos de séries distintas, com níveis equivalentes de adiantamento na matéria, para o ensino de línguas estrangeiras, artes, ou componentes curriculares;

V - a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:

a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;

b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar;

c) possibilidade de avanço nos cursos, e nas séries mediante verificação do aprendizado;

d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito;

e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos.

Enfim, segundo estas determinações, a instituição escolar ou o sistema que a contem, tem liberdade para decidir sobre a forma da organização escolar entretanto, e não por coincidência, não exclui a necessidade de uma ordenação com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse de processo de aprendizagem assim o recomendar[14] .

Finalmente podemos afirmar que apesar das Leis 5692/71, 7044/82 e 9394/96 tratarem da possibilidade da não seriação, as características o modo de ensino seriado implantado a partir da Reforma Benjamim Constant (1890) se fazem presentes.

Com isto, a escola brasileira tem edificado sua prática em bases idealistas de mundo na organização quanto na estruturação de seus conhecimentos. Trabalha com a inadmissibilidade da contradição, como se o que ocorresse no seu interior fosse a-histórico, harmônico e coerente; como se o conhecimento veiculado tivesse em seu interior o fundamento suficiente da verdade; como se as crianças e os professores e toda a comunidade não fosse fruto de relações e múltiplos condicionantes sociais e históricos.

Em uma conexão mais ampla, a evolução do Modo de Ensino Seriado a nível mundial, se deu sempre em sintonia com as relações sociais estabelecidas entre os homens em cada época.

Abolir a estrutura da escola atual é necessário, porém não suficiente. No contexto da atual realidade educacional brasileira precisamos evidenciar suas contradições e destruir as bases que promovem a dissociação entre o sujeito e objeto no ato do conhecimento.

Não podemos perder de vista que no atual modo de ensino existem espaços de luta. Ao mesmo tempo em que tenta condicionar, pela sua fragmentação, a hierarquizada sociedade em que está constituído, também oferece condições para que essa hierarquia possa ser superada.

Não podemos ignorar nem o condicionamento histórico do conhecimento nem a relação dinâmica entre o sujeito e o objeto no ato da sua produção. O processo relacional histórico entre homens e natureza é que permeia a formação cultural do sujeito e o induz a conhecer.

Não podemos também ignorar a produção social do conhecimento, pois o homem, enquanto sujeito cognoscente, é tecido nas relações sociais que constituem a sua existência.

Por não ignorarmos a produção social nem tão pouco a condicionamento histórico das relações sociais é que sugerimos uma educação não seriada.

Referências bibliográficas
MATOS, Luiz Alves de. Primórdios da Educação no Brasil - o período histórico (1549 - 1570). Rio de Janeiro, 1958.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil : 1930 / 1973. 15 ed. São Paulo : Vozes, 1993.

AVEVEDO, F., A Cultura Brasileira, 3 ed., 2 vol. São Paulo : Melhoramentos, 1953.

LIMA, Lauro de Oliveira. Estórias da educação no Brasil: de Pombal a Passarinho. 2 ed. rev. Rio de Janeiro : Editora Brasília. [19_ _].

GUIRALDELLI, J. P., História da Educação, São Paulo : Cortez, 1994.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Federal de Educação, Parecer no 853/71, C.E.Su. 1o e 2o graus, aprovado em 12 de novembro de 1971, IN: Documenta, Brasília : MEC, nov. 1971.



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[*] Mestre em Educação (UFU) e docente da UFU.

[†]Os parcelados são semelhantes os exames preparatórios criados na Reforma Leôncio Carvalho. Entretanto, assumem a anuidade escolar.

[‡]A lei 7044 altera os artigos 1o, 4 o , 5 o , 6 o , 8 o, 12 o , 16 o , 22 o , 30 o e 76 o da Lei 5692, de 11 de agosto de 1971, que passam a vigorar sob nova redação.



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[1] Um estudo detalhado das relações e instituições de ensino pode ser encontrado em CORRÊA, Gilvane Gonçalves. As reformas educacionais brasileiras: programas de ensino em Ciências e seriação escolar. 1997. 201f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia-MG, 1997.

[2]MATOS, 1958, p. 31.

[3]ROMANELLI, 1993, p. 34.

[4]ROMANELLI, 1993, p. 35-36.

[5]AVEVEDO, 1953, p. 31.

[6]AZEVEDO, 1953, p. 120.

[7]ROMANELLI, 1993, p. 43.

[8]LIMA, [19_ _], p. 115-556.

[9]GUIRALDELLI, 1994, p. 117 - 127.

[10]BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Federal de Educação, 1971, p. 166 - 191.

[11]Seção I. Capítulo II, Título V.

[12]Segundo Lei 9394 de 20 de dezembro de 1996 a educação escolar é composta de educação básica - formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio - e educação superior.

[13]Segundo a Lei 9394/96 são sistemas de ensino: o sistema federal de ensino, o sistema estadual de ensino, o sistema municipal de ensino e as instituições privadas de ensino.

[14]Lei 9394/96, artigo 23.

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