terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

II Encontro: Texto: Breve histórico sobre organização de Ensino no Brasil

TEXTO – Breve histórico da organização do ensino no Brasil
Prof.a Dr.a Elisa Maria Cordeiro da Paixão


No Brasil Colônia, a sociedade era escravocrata e a economia agro-exportadora. Não havia educação pública. Todo ensino existente estava a cargo das famílias e da igreja, inicialmente representada pelos Jesuítas.
A educação Jesuíta desenvolveu um sistema bem organizado, com objetivos definidos e atuação determinada e pré estabelecida . Transmitia valores e atitudes, passando conhecimentos escolhidos a priori segundo critérios lógicos e que, segundo se pensava então, poderiam desenvolver as “faculdades mentais” dos educandos. Esses padrões de organização da instituição e do conteúdo, além das proposições (quase determinações) sobre o ensino, não ganharam um nome específico, como “currículo”, e também não foram aproveitados pelas escolas que restaram depois das reformas pombalinas e nem pelas instituições e primeiras leis de ensino surgidas durante o império.
Na realidade a situação educacional piorou depois da reforma pombalina. Existiam aulas e cursos “de ler e escrever” e algumas poucas escolas confessionais. Como a economia continuava a ser baseada no latifúndio e na exportação de produtos agrícolas obtidos pela mão de obra escrava, a pequena classe média de vilas e cidades era formada por artesãos e pequenos comerciantes sem muito poder aquisitivo que não faziam pressão muito grande
para provocar o aparecimento de escolas. Portanto, a educação pública pouco interessava ao estado e aos proprietários dos imensos latifúndios existentes, povoados por centenas e até milhares de escravos. E, se não se pensava em escolas, enquanto uma instituição estatal, muito menos se fazia quanto à organização do ensino em geral e quanto ao conteúdo que era passado particularmente.
Isso pode ser constatado em 1826, quando foi apresentado à Câmara dos Deputados do Império do Brasil um primeiro projeto de ensino. Este projeto preocupava-se apenas em nomear os graus de ensino e definir autoridades sobre eles. Determinava muito abertamente o que deveria ser ensinado em cada um deles, sem empregar ainda nomes como “matérias” , aparentemente por não conter ainda idéias sobre a unidade de conhecimentos em cada área. Por exemplo, a lei determinava apenas que as escolas que deveriam atender às crianças menores ( escolas de Pedagogia) e que eram da responsabilidade de cada “Termo”, deveriam ensinar “a arte de ler e escrever, os princípios e regas fundamentais da aritmética e os conhecimentos morais, físicos e econômicos indispensáveis em todas as circunstâncias e empregos” ( 1 ). As escolas médias e as academias, a cargo das províncias, tal como acontecia antes, continuavam a ensinar latim e grego, além de retorica e filosofia, procurando ainda preparar alunos para o ingresso na Universidade de Coimbra ou a de Evora, ou ainda nas Universidades do Rio de Janeiro, que já haviam surgido no Brasil.

Em 1846 foi proposto um outro projeto, criando o liceu nacional, de nível médio. Nele já aparecem determinações quanto à organização geral da escola (Colégio Pedro II) Também decreta que o curso deveria ter a duração de 6 anos e que nele se deveria estudar : linguas ( latim, grego, francês, inglês e alemão); filosofia, história, matemáticas elementares, ciências físicas, geografia e desenho. Para serem reconhecidas todas as outras escolas desse nível deveriam se organizar e funcionar dessa forma.
Nenhum desses dois projetos surtiu grande efeito na educação brasileira em geral, em parte pela indiferença do governo, em parte pelas dificuldades existentes para fiscalizar escolas em um território tão grande e praticamente desabitado, e finalmente pelo desinteresse e mesmo impossibilidade econômica das famílias de classe média e baixa em enviar seus filhos à escolas de nível médio.
Esse quadro não melhorou muito nem quando ocorreram mudanças sociais acarretadas pela guerra do Paraguai (1864-1870), pela abolição da escravatura (1888), e pela proclamação da república (1889). Embora tenha havido crescimento da classe média urbana, o trabalho escravo dos africanos foi substituído pela mão de obra dos imigrantes, em regime de escravatura econômica (na figura dos “escravos endividados”). Para essas populações mais pobres o máximo luxo permitido era freqüentar a escola “de ler e escrever” existente quer nas vilas, quer nas próprias fazendas. Aprender alguma coisa nessas escolas era ainda um luxo maior, para não dizer um milagre, pois as distâncias a serem percorridas pelos alunos eram enormes, o ensino precário ministrado muitas vezes por professores leigos, que mal sabiam o que estavam ensinando.
Apenas no início do século XX, o aumento da população urbana e a industrialização incipiente, aumentaram as pressões para o oferecimento de mais e melhores escolas. Foram promulgadas leis de ensino em 1904 e em 1909, mas elas ainda não discutiam metas e fins da educação e nem continham noções gerais, que definissem a organização, a estrutura, os currículos, e nem os fins e meios da educação nacional, limitando-se a estipular a duração de cursos e, de forma bem larga e elástica, os conteúdos que eles deveriam tratar.
Nos anos seguintes muitos latifundiários, principalmente os ex-produtores e exportadores de café, passaram a financiar indústrias, aumentando a urbanização e a pressão para a oferta de melhores escolas. Esse processo se tornou agudo em 1930. Como resposta à crise do capitalismo mundial de 1929, a recém imposta ditadura Vargas procurou enfrentar a ruptura da condição brasileira de república agro-exportadora e incentivar a industrialização. Como o governo totalitário percebeu a importância do controle do estado no processo de educação, através da própria constituição então promulgada, criou o ministério de educação e Saúde Pública, assumido por Francisco Campos.
Já no ano seguinte ao da tomada de poder, visando a formação de “elites pensantes” e de “pessoas que tomassem decisões”, o governo promulgou um decreto, autodenominado de “Estatuto das Universidades Brasileiras”, estabelecendo os padrões para o ensino superior em todo o pais, determinando a estrutura administrativa e acadêmica das universidades e definindo seus tipos e seus Currículos mínimos.
Em 1942, a II guerra mundial impôs o aumento da política de industrialização pelo programa de “substituição de importados”. Isso e mais a necessidade de mão de obra para a fabricação de armas e equipamentos, levou ao aumento das exigências em relação à formação proporcionada pelas escolas do país. Com o intuito de conseguir esse efeito foi proposta uma nova lei de ensino, que recebeu o número 4.244. Essa lei também tentava propor uma organização unificada para a educação nacional , definindo graus e propondo o “currículo” mínimo a ser adotado, para mais uma vez adequar o ensino às necessidades do nascente mercado de trabalho.
Finda a ditadura, a nova constituição de 1946, manteve o direito do Estado de interferir na educação, agora legislando sobre suas diretrizes e bases, entendidas como os princípios gerais de organização e de funcionamento, as metas e objetivos da escola em todo o pais. Apesar da visão educacional mais abrangente dessa determinação da constituição, apenas dois anos mais tarde foi formada uma comissão de educadores para elaborar um projeto de LDB.
A morosidade não terminou aí. Apresentado em 10 de dezembro de 1948, esse projeto ficou paralisado durante 10 anos, até ser relembrado pelo substitutivo Coelho de Souza, que foi rebatido sucessivamente por outros substitutivos, como o famoso substitutivo Carlos Lacerda, até que fosse finalmente apresentado o projeto de lei definitiva, aprovado em 20 de dezembro de 1961, com o número 4024.
Essa lei estipulou os fins da educação nacional, aumentando o controle do poder público federal sobre ela, ao criar o Conselho Federal de Educação, órgão do Ministério da Educação e Cultura. Também propôs o direito universal à educação, mesmo que desmentido nela própria por “casos de isenção de obrigatoriedade de matrícula no curso primário”(2).
Segundo esta lei, o Conselho Federal de Educação e os Conselhos Estaduais, deveriam se pronunciar sobre o currículo dos cursos médios, isto é, sobre o conjunto de disciplinas que deveriam constar deles. A lei desconsidera o ensino superior e não faz referência ao currículo do curso primário, mas em relação ao ensino médio e secundário estabelece nos artigos 35, 44 e 46:

- no parágrafo 3o do art. 35 -
“o currículo das duas primeiras séries do primeiro ciclo será comum a todos os cursos de ensino médio no que se refere às matérias obrigatórias

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(2) – o artigo 30 estipula que não poderia exercer função pública ou em empresas de economia mista, ou em concessionárias o pai de família ou responsável por criança na idade escolar que não fizesse prova de matrícula desta em estabelecimento de ensino, ou que não comprovasse que estava sendo ministrada educação no lar. Mas existia também um parágrafo único que considerava como casos de possível isenção: (a) – comprovado estado de pobreza do pai ou responsável; (b) insuficiência de escolas; (c) matrícula encerrada; (d) doença ou anomalia grave da criança.
(3) – Diretrizes e Bases da Educação Nacional e do ensino de 1o e 2o graus – Legislação e normas básicas para sua implantação – Imprensa Oficial do Estado S.A – IMESP – São Paulo, 1983.

- artigo 44 - O ensino secundário admite variedades de currículos diferentes em relação às matérias optativas que forem preferidas pelos estabelecimentos.


- no parágrafo 2o do art.46 - A terceira série do ciclo colegial será organizada com currículo diversificado, que vise o preparo do aluno para cursos superiores, e compreenderá no mínimo quatro e no máximo seis disciplinas, podendo ser ministradas em colégios universitários”.

Pensando em um ensino fundamental único, a lei 4024 diversificou a estrutura do ensino de segundo grau, propondo como sua organização:








Secundário- Ginásio Com no mínimo 4 anos de duração, conteria ao todo 9 disciplinas- cinco escolhidas pelo Conselho Federal e as outras pelo conselho estadual, inclusive as “optativas” , isto é que seriam escolhidas pela instituição dentre as permitidas pelo conselho estadual







Ensino médio Visava preparação geral e para ingresso no curso super. Colegial Dois primeiros anosa comuns, com oito disciplinas, sendo duas de livre escolha do estabelecimento, além das práticas educativas. Por série deveriam constar do “currículo” não menos do que 5 e não mais do que 7 disciplinas. A terceira série teria currículo diversificado segundo o curso superior visado, compreendendo, no mínimo 4 e no máximo 6 disciplinas que poderiam ser ministradas em colégios universitários.


Técnico – visava formação profissional nas áreas industrial, Agrícola e Primeiro ciclo Ginásio 4 anos de duração. Nas duas últimas séries, além das disciplinas específicas do curso escolhido deviam constar mais 4 do curso ginasial secundário, sendo uma de escolha do estabelecimento

comercial Segundo ciclo Além das disciplinas específicas do ensino técnico, incluíam também 5 do colegial secundário, sendo uma da escolha do estabelecimento


Magistério -
visava a formação de professores Escola normal de nível ginasial Além das matérias do ginásio eram ministradas também matérias para preparação pedagógica. Formava Regentes de Classe

Escola normal de grau colegial – 3 séries com disciplinas que visavam a formação de professores para o primeiro grau e pré-escola.
Ao propor esta organização e com outras disposições gerais minuciosas, os legisladores pretendiam estar apresentando “currículos” ( v.g. soma de disciplinas e de atividades educativas) que permitissem maior flexibilidade à ação educativa . Mas na prática esta flexibilidade se resumia à possibilidade dos estabelecimentos escolherem entre modelos que apresentavam conjuntos fechados de disciplinas, exatamente os propostos pelo Conselho federal para o ginásio e para o colégio.


Em 1968, já sob a influência e as determinações dos acordos MEC-USAID (4) e em meio ao crescimento dos protestos de amplos setores sociais contra a ditadura militar, o governo organizou um grupo de trabalho para elaborar um anteprojeto de reforma universitária . Aprovado, praticamente sem receber emendas, em um congresso amordaçado, a chamada Lei de Reforma Universitária impunha um mesmo padrão de organização para todas as instituições de ensino superior. Terminou com o regime de Cátedra Vitalícia e estabeleceu a organização por departamentos, que não obedecia às hierarquias acadêmicas de trabalhos de pesquisa ou de áreas de conhecimentos , mas apenas aos interesses administrativos. O ponto mais negativo é que a Universidade não é vista pela lei como um todo integrado que visa o ensino e a pesquisa de áreas totais do conhecimento humano, como desenvolvendo uma totalidade de conhecimentos que se especializam em áreas no desenvolver dos trabalhos acadêmicos, mas apenas como o fruto da reunião de “faculdades” e de institutos isolados.
O setor privado, que tinha forte representação no próprio conselho federal de educação, aproveitou as brechas da lei e criou todos os tipos de faculdades, e escolas isoladas. Isto permitiu que as escolas particulares ”proliferassem como moscas, sem instalações adequadas, sem laboratórios e sem biblioteca e até com professores fantasmas” ( 2)
A lei possibilitava grande flexibilidade de organização de disciplinas e conteúdos, chegando à criação de cursos ditos profissionalizantes de curta duração. Os currículos destas instituições podiam obedecer às necessidades propostas para a formação de cada tipo de profissional, adequando-se principalmente aos interesses econômicos das instituições particulares, interessadas em “formar” alunos em menos tempo para aumentar a criatividade e
a rentabilidade. Colocadas como sendo instituições “sem fins lucrativos” passaram a ser administradas por “Fundações” (3) aproveitando o que havia sido proposto na Universidade de Brasília.
Premida pela falta de recursos a Universidade de Brasília havia adotado a figura da “Fundação” como regime jurídico, para fugir a imensa burocracia embutida nas autarquias, e para conseguir obter mais recursos. Esse recurso foi imitado pelas Universidades Estaduais que se criaram depois dela, e de pronto inspirou as instituições particulares, interessadas em fugir dos impostos e das peias burocráticas.
Atualmente as instituições particulares continuam a se propor como fundações, enquanto que o ensino superior público continua a se debate na busca de um padrão organizativo que evite os dois tipos de organização existente : a fundação e a autarquia. De um lado a autarquia, o tipo mais antigo de organização, aparece nas Universidades públicas como emperrado e amarrado por uma rede de peias burocráticas que premiam o conformismo , desestimulam a pesquisa e a inovação. De outro lado, a fundação, na qual a tão falada flexibilidade tem servido para facilitar o empreguismo e a especulação no mercado financeiro, em proveito dos grupos dirigentes das Universidades.
Segundo críticos ferozes como J. A. Toais: ”Diferente de todos os outros povos nasceu o ensino superior brasileiro. Nasceu torto. Na Europa e nas Américas sempre o ensino superior começava com Universidades; no Brasil não: apareceram Faculdades Isoladas. Ora isto é grave, pois a Faculdade , de si mesma é anti-universitária, é desumana, é desumanizante; seu espírito, profissionalista, tende a fazer do homem máquina de produção, inferiorizando-o. Ora, o que nasce torto tende, por natureza, a entortar-se, paulatina mas profundamente, cada vez mais. E, assim aconteceu no Brasil, de tal modo que, hoje em dia, a totalidade da nação inclusive os professores universitários em geral, não sabem o que é Universidade e nem o que é Faculdade; ou melhor, Universidade, como é tradição empírica confirmada alias pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, é simples agregado de Faculdades isoladas, acidentalmente reunidas por uma administração comum ou algo semelhante”. (José Antônio















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(5) Toais – História da Educação Brasileira ,São Paulo,Edit. Juriscredi, 2a Edição, Sem data)








BIBLIOGRAFIA

Cunha, Luiz Antônio e Goes, Moacyr de – Brasil os anos de autoritarismo –
O golpe na Educação, Rio de Janeiro, Jorge Zahar edit, 1991

Cunha, Luiz Antônio – A Universidade Temporã , Rio de Janeiro, Edit Civilização
Brasileira, 1980

Diretrizes e Bases da Educação Nacional e do ensino de 1o e 2o graus –
Legislação e normas básicas para sua implantação – Imprensa Oficial do
Estado S.A – IMESP – São Paulo, 1983.


Silveira Rocha, Anna Bernardes da no Relatório do parecer número 281-83 – Os
currículos de 1o e 2o graus na lei 7044 – Conselho Federal de educação-
Câmara de Ensino de 1o e 2o graus


Tobias, José Antônio – História da Educação Brasileira. S.Paulo, Juriscredi edit,
2a edição, sem data

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