sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

III Encontro - O Currículo e a Engenharia Educacional de Bobbit

O CURRÍCULO E A ENGENHARIA EDUCACIONAL DE BOBBITT
Prof. Dra Elisa Maria Cordeiro da Paixão



“O Caminho de virtualmente todas as sociedades civilizadas foi acompanhado de prescrições educacionais e de programas para a aculturação de gerações sucessivas (1). Servem de exemplos para esta afirmação o pensamento e a obra de autores como Aristóteles, Quintiliano, Comenius, Pestalozzi e outros que em civilizações e épocas diferentes preocuparam-se em discutir a natureza da educação e do ensino e em fornecer subsídios para orientar seus objetivos, sua organização e sua execução.
No entanto, mesmo com essa longa tradição, a parte do pensamento educacional relacionada com prescrições e programas, passou a ser associada com a palavra “currículo” apenas no final do século XIX . Antes disto, desde a metade do século XIX ,a palavra currículo era usada na linguagem comum e na literatura Inglesa e Norte-americana para designar processos de vida ou de desenvolvimento (2). No final do século XIX a palavra começou a ser empregada na literatura pedagógica para nomear o conjunto de conteúdos a serem passados em um curso (3)
Esse uso se intensificou no início do século XX com os livros publicados por Franklin Bobbitt.
Bobbitt lecionou “Educação” na Universidade de Chicago . Foi participante de várias comissões de estudos sobre a adequação de programas e a melhoria de ensino, ao fazer suas propostas adotou integralmente como pensamentos orientadores as idéias: da “cientificidade” e da “eficiência e eficácia” que imperavam em todo o pensamento e atuação da sociedade naquela época ( e que o fazem ainda em nossa época) .
Ele adotou essas idéias como orientadoras de seu pensamento e atuação para com elas dar solução à problemas que afligiam os educadores norte americanos da época , dentre eles:
- o aumento da demanda por escolas, motivado quer pelo crescente interesse e necessidade sentidos pela população, quer pelo simples aumento dessa população em si.
- a não adequação dos conteúdos ensinados nas escolas às necessidades e interessas da sociedade industrial;
- a necessidade de transmitir valores e informações que produzissem a aculturação adequada dos descendentes de imigrantes e de negros e, ao mesmo tempo, de dar as informações específicas que os preparassem para preencher lugares e desempenhar as
funções diversificadas em uma economia industrial.
Para Bobbitt, assim como para muitos outros autores, a resposta à esses problemas estaria na adoção de procedimentos “científicos” como aqueles ligados à
concepção burocrática que regia empresas bem sucedidas. Com esta adoção, esperava conseguir eficiência e economia igual a dessas empresas (5).

Imbuído desses propósitos, em 1912 Bobbitt aplicou todos os princípios de administração científica propostos por Taylor (6) na organização de uma escola em Gari.
Nessa escola ele realmente tentou aproveitar ao máximo o espaço e as instalações que tinha, fazendo com que a escola funcionasse inclusive sábados , domingos e feriados, quer dando aulas de reforço, quer chamando os pais e outros membros da comunidade para participarem da vida escolar. Bons resultados obtidos demonstraram para o autor e a comunidade a eficiência do modelo “científico” e empresarial adotado.
Fica bastante clara a adoção desse modelo empresarial quando Bobbitt considera o princípio de Taylor que determina que o material bruto deveria ser trabalhado de forma a se tornar o produto final mais adequado às suas características. O aluno ( material
bruto) também deveria ser trabalhado segundo suas características. Para isso a escola deveria ser organizada e o ensino ministrado para oferecer leques de opções diferentes que se ajustassem às capacidades das crianças, aproveitando-as de forma a preparar todas e cada uma das crianças para ocuparem os lugares sociais existentes e desempenharem as funções necessárias à comunidade industrial (7)
Com preocupações como essas Bobbitt definia o currículo como “aquela série de coisas que as crianças e jovens devem fazer e experimentar, como meio de fazer bem feitas as coisas que compõem os afazeres da vida adulta e ser em todos os aspectos o que um adulto deveria ser” (8). Os objetivos do currículo deveriam abranger quer as experiências espontâneas ( treinamento não dirigido), quer as experiências feitas de forma sistemática e voluntária ( o treinamento dirigido) cobrindo dessa forma todo o conjunto de habilidades humanas, hábitos, sistemas de conhecimento, etc.
Caberia à “engenharia educacional” organizar o currículo a partir do conjunto de habilidades que deveriam ser desenvolvidas e conhecimentos que deveriam ser transmitidos para cada comunidade e classe social específica.
Assim a primeira tarefa da “engenharia educacional” era descobrir todos os hábitos, técnicas, habilidades, formas de pensamento, valorações, ambições, etc, que os membros de uma comunidade ou classe deveriam ter para uma realização efetiva de seus labores “vocacionais”(9)

A ORGANIZAÇÃO DO CURRICULO PARA BOBBITT

Segundo esse autor a montagem de um currículo era relativamente fácil.
Bastaria partir da idéia de que a enorme variedade de atividades que compõem a vida humana pode ser reconhecida, identificada e classificada em categorias gerais.
Postas essas categorias de atividades, o currículo poderia ser montado de maneira a fornecer as informações e desenvolver as habilidades necessárias para seu desempenho .
Para facilitar ainda mais essa tarefa Bobbitt criou e apresentou uma classificação geral na qual todas as atividades humanas estariam reunidas em dezoito categorias gerais. Por modéstia o autor avisa que essas categorias não constituíam uma série lógica perfeita, na media em que diversas classes se sobrepõem ou se interpenetram, mas mesmo assim, declara que para propósitos de trabalho essa série de categorias podia ser considerada como suficiente para “cobrir a vida humana com razoável competência” (10)


CATEGORIZAÇÃO DE BOBBITT

Atividades Gerais com 16 categorias
DUAS CLASSES
Atividades especializadas com apenas duas categorias

CLASSE DAS ATIVIDADES GERAIS
CATEGORIAS
1. - a vida do intelecto
2. - os objetivos que guiam essa vida intelectual
3. - a vida do corpo
4. - os esforços de cada pessoa para desenvolver a compreensão sobre as ciências da vida física
5. - as diversas atividades de uma pessoa como um membro de sua família
6. os conhecimentos e meios que uma pessoa desenvolve para obter e aumentar as informações a respeito dos diversos tipos de atividades que constituem a vida da família e que poderão orientar sua atuação diária com ela
7. a vida do indivíduo como um membro da sociedade geral
8. - os esforços que a pessoa faz para manter um bom entendimento sobre as ciências da vida social, e comportar-se de maneira adequada e responsável em suas atividades sociais diárias
9. - as atividades “sub-intelectuais” da emoção e do sentimento,
10. - o esforços que a pessoa faz para entender as ciências dos sentimentos e emoções e então usa-las para guiar sua vida diária por canais benéficos e frutíferos
11. as atividades de jogos ou recreacionais
12. os esforços que cada pessoa faz para entender essas atividades recreativas
13. os usos, de forma instrumental, dos meios e técnicas de vida intelectual, social, prática e estética ( incluindo as técnicas da música das artes plásticas e gráficas)
14. os esforços das pessoas em desenvolver o entendimento a respeito dessas atividades artisticas
15. a contemplação, apreciação e adoração das realidades últimas do universo, compreendidas pela religião e pela filosofia
16. a vida intelectual por meio da qual a pessoa desenvolve o entendimento a respeito do pensamento filosófico e religioso.

CLASSE DAS ATIVIDADES ESPECIALIZADAS DA VIDA HUMANA

17 - As atividades práticas de vocação de cada um, Seriam atividades referentes não apenas às técnicas práticas de vocações mas também todas aquelas atividades sociais requeridas para exercê-las
18 - a vida mental por meio da qual uma pessoa desenvolve a compreensão de sua vocação, quer sob o aspecto tecnológico, quer sob o aspecto social .Essa vida mental poderia aliás orientar suas atividades práticas.

De posse dessas categorias o organizador do currículo deveria verificar quais delas estariam sendo atendidas e resolvidas pela vida social e pelo treinamento indireto, A atenção da escola deveria concentrar-se nas áreas carentes e o currículo deveria ser organizado para nelas fornecer o treinamento direto. Conhecidas as carências o propositor do currículo deveria identificar propor e organizar as atividades escolares para que o currículo pudesse fornecer treinamento direto exatamente nessas áreas quando isso fosse necessário.
Para conseguir organizar esse trabalho o organizador do currículo deveria:
- olhar séria e responsavelmente para a natureza, situação, necessidades educacionais de cada criança e em cada família;
- descobrir como cada criança ou jovem despende suas vinte e quatro horas de atividade;
- descobrir cada uma de suas inclinações e como se manifestam;
- notar os meios e graus nos quais cada uma de suas carências e deficiências aparece;
- notar os tipos de iluminação, condicionamento, estimulação ou guias requeridos para prevenir ou remediar as deficiências;
- planejar um programa de exercícios, dia após dia, tão cuidadosamente como o médico planeja o tratamento individual de seus pacientes, de forma a influenciar as vinte e quatro horas da vida de cada criança ou jovem;
- ajudar os alunos a conhecerem com certeza ou clareza razoáveis, algumas coisas que eles poderiam pensar ou fazer diariamente de forma auto-planejada e auto-dirigida;
- fazer da vida na escola, por várias horas em cada dia de aula um segmento cuidadosamente planejado, condicionado e supervisionado;
- providenciar modelos claros e concretos de todas as espécies de comportamento desejado;
- auxiliar os alunos a terem o conhecimento necessário para realizar uma auto-avaliação e para terem uma auto-direção;
- ajuda-los a caminhar na direção da obtenção das habilidades necessárias para executar o que propuserem;
- estimular e reforçar os desejos das crianças e jovens, quando necessário;
- modelar os valores, atitudes e o gradiente emocional das crianças e jovens de maneira a predispô-los aos comportamentos sancionados;
- ajudar os pais a entenderem as matérias que serão lecionadas, pelo menos o suficiente para despertar seu interesse pelo trabalho que está sendo desenvolvido pela escola;
- providenciar o apoio de lideranças profissionais e cooperar com as famílias na guia e supervisão dos jovens, e, finalmente
- ajudar para que todos entendam o quão bem estão desempenhando suas várias funções, e a perceber o caráter de vida que cada criança e cada jovem está prometendo (Bobbitt, op. Cit. 194l pp 23-24)
Conhecidas as carências iniciais e obedecendo estes conselhos, Bobbitt considerava que seria uma tarefa fácil organizar as tarefas escolares capazes de preparar os alunos para, literalmente, desempenharem suas tarefas presentes e futuras de forma a terem uma “boa vida”, isto é, uma vida produtiva e integrada

EDUCAÇÃO PARA BOBBITT
Segundo as diretrizes gerais dispostas por Bobbitt nos livros “The Curriculum”
- escrito em 1918- , “The curriculum of modern Education” e “ How to make a curriculum” escritos em 1924 , a educação seria o processo de preparação do jovem ou da criança para o desempenho de toda e qualquer atividade humana para a qual fosse melhor adaptado, em função de suas características e de suas potencialidades.
Imitando o que Taylor havia proposto para as indústrias esse processo de preparação deveria iniciar-se pela análise de todas as atividades, pensamentos, valores e idéias que iriam constituir a vida futura do aluno, ou seja, iniciar-se-ia pela aplicação à escola do processo que Taylor chama de “análise de tarefas” . Na empresa ou na escola a “análise de tarefas” constituiria na subdivisão de cada atividade ou tarefa em seus comportamentos unitários.
Como Bobbitt encara o aluno como um produto e como um produtor, que deveriam respectivamente ser preparados e treinados pela escola, a nálise de tarefas deveria eliminar tudo o que não era funcional, determinando assim a modelagem e treinamento das habilidades julgadas capazes de preparar as pessoas para desempenhar bem, as atividades que iriam ter na vida adulta, incluindo no termo “atividade” também as de cunho intelectual e emocional . Mesmo estas duas últimas espécies de atividades deveriam ser sub-divididas em seus comportamentos unitários, que por sua vez, deveriam ser ensinados pela escola. Isto aconteceria da mesma forma pela qual Taylor pretendia preparar seus operários para o desempenho de tarefas na empresa: mediante um treinamento direto que suplementaria o preparo indireto fornecido pela vida.
Dentro deste quadro, pode-se perceber que o ponto mais importante do currículo seria a identificação do que deveria ser treinado, e o planejamento do processo mais adequado para fazê-lo. Este ponto de vista coloca a ênfase no próprio planejamento do processo e, ao mesmo tempo dispõe todos os outros fatores da educação ( professores, alunos, procedimentos, conteúdos, estratégias e avaliação) como elementos de igual teor que podem ser dispostos para facilitar o processo de preparação.
Conforme se pode perceber, neste contexto o aluno aparece como um elemento fixo e não como algo variável no processo educacional. Seria um ser passivo, capaz de aprender e aceitar orientações, porém imaturo demais para iniciar atividades significantes ou para exercer qualquer influência importante no seu próprio processo de aprendizagem.
Também o professor aparece como um elemento fixo, como um tutor ou autocrata benevolente que, sabendo o que é melhor para o aluno segundo as determinações do currículo, por essas mesmas determinações teria meios para controlar e modificar seu comportamento, fornecendo os estímulos necessários, ressaltando os comportamentos apropriados por meio de elogios e prêmios, ou retirando aqueles não convenientes por meio de admoestações.
Com essa maneira de encarar a situação do currículo, o conhecimento que a escola deveria transmitir estava resumido e incluído nas atividades que sofriam o treinamento direto. Além desse treinamento e apenas sugerindo que “existem idéias por trás de cada ação” Bobbitt sugere o uso do método de projetos. Segundo ele através desse método poderia ser conseguida uma aprendizagem pela experiência, na qual as idéias e conhecimentos existentes sobre um assunto deveriam ser usadas de três formas : para tornar claras as matérias transmitidas, para resumir, e para ilustrar os resultados ou as descobertas feitas pelos alunos ao observar ou realizar uma experiência concreta.
Conforme se pode perceber, todos os fatores envolvidos e organizados pelo currículo visavam alcançar uma meta: através da atuação planejada de forma científica tornar a escola capaz de atuar com maior eficiência, isto é, capaz de conseguir resultados práticos em termos de preparo de seus alunos, com menor dispêndio de esforços, em menor tempo e com menor gasto de capital.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. sua matéria em linguagem bastante acessível em muito acrescdentou aos meus conhecinentos sobre o tema.
    normakafka@hotmail

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